sexta-feira, 30 de julho de 2010

Psicologia e a Alienação Parental

A Doutora em Psicologia Sandra Baccara, presenteou nosso blog com um artigo sobre Alienação Parental.


"...Na minha experiência clínica, encontro homens, na faixa dos 40 anos, profissionais liberais bem sucedidos, que ao me procurarem dizem: “Dra. eu só quero o direito de ser pai”. ..


ALIENAÇÃO PARENTAL


Dra. Sandra Maria Baccara Araújo

A Síndrome de Alienação Parental (SAP) foi descrita por Gardner em 1985, como sendo “Um transtorno caracterizado pelo conjunto de sintomas que resultam do processo pelo qual um genitor transforma a consciência de seus filhos, mediante distintas estratégias, com o objetivo de impedir, obstaculizar ou destruir seus vínculos com o outro genitor”.

Sua função básica é destruir a confiança da criança/adolescente no genitor alienado, através da desqualificação do mesmo, levando-a a se afastar deste, através de atitudes de nojo, raiva ou medo.

O genitor alienador se torna o centro das atenções dos filhos, fazendo-os crer que ele é capaz de cuidar sozinho deles, e, que estes não sobreviverão longe dele. Silva e Resende (2207) afirmam que “O alienador passa em alguns momentos por uma dissociação com a realidade e acredita naquilo que criou sozinho. E o pior, faz com que os filhos acreditem, sintam e sofram com algo que não existiu, exprimindo emoções falsas”. A implantação de falsas memórias na criança é parte do processo da Síndrome de Alienação Parental.

Berenice Dias (2007) afirma que “A criança que ama seu genitor, é levada a se afastar dele, que também a ama. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre ambos. Restando órfão do genitor alienado, acaba identificando-se com o genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado”.

Tal atitude traz prazer ao alienador, pois destrói aos olhos dos filhos o antigo parceiro e atual inimigo.

Gardner descreve três estágios da Síndrome:

Estágio leve – quando nas visitas há dificuldades no momento da troca dos genitores;

Estágio moderado – quando o genitor alienante utiliza uma grande variedade de artifícios para excluir o outro;

Estágio agudo – quando os filhos já se encontram de tal forma manipulados que a visita do genitor alienado pode causar pânico ou mesmo desespero.

Baseada nas observações de Louzada (2008) percebo que a prática forense tem mostrado diversos indícios que apontam para a tentativa de alienação do filho, a saber:

Casos em que o genitor guardião revela que não impede que o genitor visitante veja o filho, mas também não o “força” a ir;

Quando não permite ou dificulta que o outro genitor fale ao telefone com o filho, e quando o faz geralmente delimita horários que não são obedecidos;

Quando “esquece” os dias de visita e sai de casa com os filhos nas datas agendadas para visita, marca viagens ou saídas “interessantes” nestas datas, deixando o genitor alienado no lugar do “estraga prazer” e os filhos numa situação que pode gerar um conflito de lealdade em relação a este;

Quando se recusa a informar ao outro sobre doenças dos filhos, festas ou outras atividades no colégio, ou qualquer outro fato que comporte a presença do genitor alienado;

Quando refere que o outro genitor não cuida bem dos filhos, não os educa, não dá alimentação adequada, não se preocupa com sua higiene, deixa que se machuquem;

Quando insiste em referir-se à companheira/o do genitor/a alienado/a como sendo pessoa que não goza de boa reputação, não merecendo o contato com os filhos;

Quando imputa abuso sexual ao filho;

Quando tenta impingir aos filhos a idéia de que seu novo companheiro/a é seu novo pai/mãe.

Estes processos de alienação causam nas crianças/adolescentes grandes danos emocionais e psíquicos, pois estes se tornam um alvo claro para a destruição do “objeto de ódio” do genitor alienante. Destruir este alvo é a forma que o alienador encontra de “matar” a frustração pela perda vivida, sem levar em conta o resultado final, ou seja, o dano causado aos filhos.

Os filhos não podem se estruturar enquanto sujeitos, uma vez que não conseguem desejar além do desejo do alienador. Este, uma vez que não conseguiu se diferenciar do filho alienado acredita, mesmo que inconscientemente, que pode formar com ele uma díade perfeita. Desta forma a criança não se individualiza e com isso não alcança o espaço do seu desejo. Enquanto objetos de posse e controle, os filhos passam a agir de acordo com o que o alienador lhes “impõe”.

O resultado deste processo é um profundo sentimento de desamparo, gerando por parte da criança/adolescente um grito de socorro que não é ouvido. Uma vez que não é reconhecido como sujeito, esse grito acaba por se transformar em sintoma, que poderá ser expresso tanto no corpo por um processo de somatização, quanto por um comportamento anti-social.

Ao me perguntar o que leva um genitor a causar tamanho dano emocional e psíquico a seu filho, três fatores me vêem a mente:


1- A forma como a separação aconteceu e a representação inconsciente desta no imaginário do cônjuge que se sentiu “abandonado”, aliado a dificuldade de lidarem com a frustração, fruto de um processo educacional e social que os tem impedido de reconhecer o espaço e o direito do Outro:


Interessante observar que as pesquisas realizadas sobre o tema apontam que a Síndrome da Alienação Parental acontece mais frequentemente em famílias cuja dinâmica funcional é muito perturbada e que são comandadas pela mãe, sendo a Síndrome entendida pelos pesquisadores como a busca de re-equilíbrio da dinâmica familiar.

O uso da alienação parental como tentativa de volta da homeostase familiar envolve diversos segmentos sociais, familiares e jurídicos, levando o membro “doente” a se sentir acolhido em seu sofrimento, uma vez que em volta do seu desejo reúnem-se todos.

Acredito que este processo seja parte da doença psíquica do membro alienador, que eclode com a separação e que, quando submetido a exames psíquicos, seja possível distinguir em sua história diversos elementos que poderiam prever este tipo de resposta diante da frustração.

Geralmente são pessoas que em sua história familiar foram privados da possibilidade de reconhecerem a existência do outro como Sujeito e com isso não aprenderam a respeitá-lo como possuidor de espaço psíquico e emocional. São frutos de uma educação que não lhes deu o limite necessário que lhes possibilitasse construir noções de ordem, valor e normas morais e sociais.

Ao verem-se privados de seu “brinquedo” fazem “birra” com o “brinquedo” que têm a mão, ou seja, com os filhos, porque sabem que estes, usados como armas, atingirão o seu oponente no que ele ama.


2- A dificuldade de diferenciação de papéis (conjugal e parental):


Trindade (2006) acentua que a Síndrome da Alienação Parental “é o palco de pactualizações diabólicas, vinganças recônditas relacionadas a conflitos subterrâneos inconscientes ou mesmo conscientes, que se espalham como metástases de uma patologia relacional”.

Na Síndrome da Alienação Parental, ao analisarmos a desvalorização da figura do outro genitor, encontramos uma motivação de cunho narcísico: a função do casamento para estas pessoas é o de eternizar-se através da prole. Impossibilitado de reconhecer o outro como um Outro, com direitos, desejos e deveres, ao verem-se frustrados(as), deixam de perceber os filhos como senhores de direitos e passam a vê-los como mais um objeto na partilha de bens. Desta forma a sociedade que se desfez (sistema conjugal) é estendida ao sistema parental, e, amplia-se o divórcio ao espaço do pai e da mãe.

O Código Civil brasileiro dispõe que o poder familiar deve ser exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, circunstância que não deve se alterar na eventual separação do casal. Em situação de litígio, na qual os genitores não conseguem entrar em acordo para atuarem em consonância com as normas do Código Civil, caberá à justiça regulamentar esse acordo.

Desta forma a justiça passa a ocupar o lugar do terceiro nesta relação, significando de alguma forma a continuidade da sociedade conjugal. Desrespeitar as decisões da justiça, fato comum na SAP, mostra a luta contra a autoridade que se interpôs entre o ex-casal. Se entendermos que uma das funções da SAP é manter o vínculo que o genitor alienante não consegue romper, a figura da Lei, o “Pai Jurídico” (Araújo, 2006), se coloca ali para ser desrespeitado, uma vez que ele significa a castração simbólica que não foi constituída no desenvolvimento emocional deste.


3- Os novos papéis desempenhados pela mulher e pelo homem na sociedade e a forma como lidam com esta “novidade”:


Na minha experiência clínica, encontro homens, na faixa dos 40 anos, profissionais liberais bem sucedidos, que ao me procurarem dizem: “Dra. eu só quero o direito de ser pai”. Homens que não só têm sido excluídos do contato com os filhos, como estão sendo acusados de abuso sexual, queixa mais comum nos quadros de alienação parental, e que pela demora do curso judicial vêem-se privados de acompanhar o crescimento dos filhos. Se me preocupa o dano emocional causado aos filhos, acredito que precisamos nos preocupar também com as conseqüências emocionais e sociais para este genitor alienado.

Nos 30 anos de experiência profissional pude acompanhar a mudança de papel desempenhada pelo homem no lugar paterno. Acompanhei a queixa das mães que na separação viam os Pais “abandonarem” os filhos ao se tornarem pais de final de semana, e, vejo hoje, a queixa dos Pais ao se verem excluídos do contato com os filhos.

Acredito que a maior incidência de caso da Síndrome da Alienação Parental entre as mulheres também pode ser pensada não só pelo fato delas ainda terem a preferência na guarda dos filhos, quanto pelo próprio conflito que as mulheres vivenciam hoje no seu lugar social.

A emancipação feminina, que tem seu apogeu na metade do século passado, portanto um fato histórico ainda recente provocou mudanças sociais muito grandes no contexto feminino, mudanças que percebo ainda estão sendo absorvidas pelo universo feminino.

O lugar materno na minha percepção foi um dos papéis mais afetados neste processo. Na medida em que a mulher passou a ocupar um lugar profissional de maior destaque, o que fez com que ela estivesse mais tempo fora de casa e consequentemente distante do universo materno possibilitou que o homem começasse a ocupar um lugar maior neste universo. Se por um lado ocupar este lugar é uma cobrança do universo feminino, por outro também pode representar um risco de perder o espaço que culturalmente sempre foi reservado à mulher. Desta forma surge um conflito muito grande: o mundo externo é atraente e incita a ser explorado, o mundo interno, o conhecido, é seguro e dividi-lo causa temor: o lugar materno hoje, muitas vezes, é mantido às custas da desqualificação do lugar paterno.

No momento em que a justiça reconhece a paternidade jurídica, distanciando-a da base biológica, reconhecendo a importância do lugar do masculino na vida das crianças/adolescentes, oferece aos filhos a oportunidade de poderem optar a partir de certa idade para ficar com o genitor com quem melhor se identifica, após a ruptura da sociedade conjugal de seus pais. Essa ameaça ao genitor alienante é um dos elementos que reforçam seu “trabalho” alienante junto aos filhos.

Infelizmente é uma prática comum no Brasil a de que o genitor que detenha a guarda exerça sozinho o poder familiar. Tal prática é uma afronta à Lei além de prejudicar os filhos que se vêem impedidos do direito à ampla convivência familiar assegurada pela Constituição Brasileira. Ao se sentir inviolável, muitas vezes, na percepção de Lima (2008), o guardião vale-se do direito da guarda unilateral para praticar atos que atentam contra a dignidade dos filhos.

Residir em companhia de um dos pais é um ajuste necessário às circunstâncias criadas pelos genitores. Tal fato não assegura que, o genitor com quem o filho reside seja mais importante do que o outro que se vê relegado a ter a companhia dos filhos por pouco tempo como punição à separação.

Eu gostaria de levantar ainda uma outra preocupação: o papel que a justiça, o ministério público, a defensoria pública e os serviços psicossociais têm exercido na análise da SAP.

Entendo ser difícil acreditar que um genitor, que na sua essência deveria ser o protetor dos filhos passe a ser o seu agressor.

Pensar um pai ou uma mãe usando seus filhos como “bala de canhão” na sua guerra particular é muito dolorido. Entretanto temos observado um aumento da SAP que tem assustado, e associado a isso uma negação por parte dos agentes da justiça, do ministério público e dos serviços psicossocial da sua existência.

O desconhecimento dos meandros que envolvem a SAP é na minha percepção uma das razões desta negação. Entendo que a proteção integral à criança e ao adolescente, presente na nossa Constituição Federal e princípio básico do Estatuto da Criança e do Adolescente, associado às sutilezas com que o alienador na maioria das vezes se utiliza, nas falsas denúncias praticadas por este, confundam o sistema judiciário.

Entretanto vemos crianças e adolescentes, além do genitor alienado, sofrendo as conseqüências desta doença familiar, sem que providências urgentes sejam tomadas em sua defesa.

Pensar nas conseqüências para uma criança ou adolescente que passa meses ou até anos alijados da presença do genitor, sendo alienados na sua percepção deste, sem que ele, mesmo repleto de provas seja ouvido pela justiça, preocupa. Os transtornos ocasionados a este sistema familiar são muito grandes, e muitas vezes sem possibilidade de resgate para estes.

Diante disso, gostaríamos de terminar deixando essa preocupação como alerta. Precisamos olhar para a SAP como um grito de socorro por parte do genitor, que em seu comportamento alienado e alienador, ao não conseguir enxergar além de si próprio, provoca um grande sofrimento em todo o seu círculo familiar e pede limite a todos nós.


Bibliografia

ARAÚJO, S. M. B. (2006) “Pai aproxima de mim esse cálice: significações de juízes e promotores sobre a função paterna no contexto da justiça”. Tese de doutorado defendida junto à Unb.

DIAS, Mª, B.(2007) Síndrome da Alienação Parental. O que é isso?, in Síndrome da Alienação Parental e a Tirania do Guardião. Porto Alegre, Editora Equilíbrio.

GARDNER, R. (1998) The Parental Alienation Syndrome Creative Therapeutics, Cresskill, NJ, 2ª ed.

LIMA, S.B.V.(2008) O Abuso do direito de guarda, in BASTOS, E. F. & Luz, A. F. (orgs.) Família e Jurisdição II. Belo Horizonte, DelRey, IBDFAM.

SILVA, E. L & Resende, M. (2007) SAP: A Exclusão de um terceiro, in Síndrome da Alienação Parental e a Tirania do Guardião. Porto Alegre, Editora Equilíbrio.

TRINDADE, J. (2007) Síndrome da Alienação Parental (SAP), in DIAS, Mª.B. (org) Incesto e Alienação Parental. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, IBDFAM.


Autora: Dra. Sandra Maria Baccara Araújo

Doutora em Psicologia pela Unb

Especialista em Psicoterapia Infantil e do Adolescente pela SBPPDG/CESJF

Especialista em Psicoterapia Conjugal e Familiar

HYPERLINK "mailto:sbaccara@terra.com.br" sbaccara@terra.com.br












quarta-feira, 21 de julho de 2010

GRUPO VIVÊNCIA

Responsabilidade Social, todos precisamos ter.

Lutar pela a aprovação da lei que trata sobre a Alienação Parental foi e esta sendo apenas um passo. precisamos também trabalhar para que as leis sejam efetivadas.

A associação Gaúcha Criança Feliz nesta quinta-feira, 22 de julho de 2010 esta dando inicio ao GRUPO VIVÊNCIAS

O Grupo Vivências é um projeto da Associação Gaúcha Criança Feliz, previsto no Plano de Metas para 2010, que tem por objetivo reunir e possibilitar a interação entre pessoas envolvidas em casos de Alienação Parental.

A Associação Gaúcha Criança Feliz, através de dois anos de pesquisa e atendimento, percebeu que as pessoas que enfrentam os efeitos da Alienação Parental necessitam compartilhar suas vivências com “iguais”.

É comum as pessoas que enfrentam este problema acreditarem serem os únicos a sentir os sintomas da Alienação Parental.

Além de compartilhar experiências, o Grupo de Vivências servirá para manter os integrantes informados sobre tudo que envolve o problema que enfrentam. Como os encontros serão norteados por técnicos como psicólogos, assistentes sociais e médicos, os grupos são uma ótima fonte de informação.

Mesmo não se tratando especificamente de uma terapia, esse grupo tem o objetivo de aliviar as angústias enfrentadas por pessoas que passam pela a Alienação Parental, seja como alienante, alienado, alienador ou pessoas interessadas em ajudar quem passa por esta dor.


5. Vedado:
É vedado o uso de telefones celulares, gravadores, filmadoras, máquinas fotográficas, ou qualquer outro tipo de equipamento similar ou afim. Todos os depoimentos realizados no Grupo de Vivências terão natureza “confidencial”, tendo os profissionais a regência dos respectivos Códigos de Éticas e os participantes não estarão autorizados sob qualquer forma ou pretexto a divulgar publicamente ou reservadamente qualquer assunto tratado nas reuniões.



Sérgio de Moura Rodrigues
Presidente da Associação Gaúcha Criança Feliz
Comissão “Grupo Vivências”
Dra. Melissa Telles Barufi - contato: melissatb@terra.com.br;
Dra. Jamile Dala Nora - contato: jdalanora@tellesdalanora.com.br;
Augusto Caminha - contato: guto5caminha@pop.com.br.

SAIBA MAIS SOBRE O GRUPO VIVÊNCIAS NO SITE ASSOCIAÇÃO GAÚCHA CRIANÇA FELIZ.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Associação Gaúcha Criança Feliz na III SemanECA de Taquara

O Presidente da Associação Gaúcha Criança Feliz, e advogada Melissa Telles, palestraram sobre a Alienação parental, na III SemanECA de Taquara - comemoração dos 20 anos do ECA.  A Semana de atividades, organizada pelo Conselho Tutelar de Taquara, teve por fim chamar a comunidade ao debate sobre os temas que envolvem crianças e adolescentes.

A Associação Trabalhou pela aprovação do projeto que trata sobre a Alienação Parental, e vai continuar trabalhando para que ela tenha efetividade. "Todos precisam saber  que Alienação Parental existe, e que com a Lei será proibido se utilizar de filhos como 'instrumento' de vingança", diz Melissa.

Confira no site da Associação Gaúcha Criança Feliz outras notícias.


terça-feira, 13 de julho de 2010

Curso de Escutatória - Nós também precisamos

Curso de Escutatória...

Rubem Alves...
Silêncio...

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.


                    Nós, do blog Mediar Família, estamos matriculados em seu curso...Obrigada Rubem Alves...

Escutar é complicado e sutil. Diz o Alberto Caeiro que “não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma." Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Aí a gente que não é cego abre os olhos. Diante de nós, fora da cabeça, nos campos e matas, estão as árvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. O cego não vê porque as janelas dele estão fechadas. O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As árvores e as flores entram. Mas - coitadinhas delas - entram e caem num mar de idéias. São misturadas nas palavras da filosofia que mora em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então, o que vemos não são as árvores e as flores. Para se ver e preciso que a cabeça esteja vazia.



Faz muito tempo, nunca me esqueci. Eu ia de ônibus. Atrás, duas mulheres conversavam. Uma delas contava para a amiga os seus sofrimentos. (Contou-me uma amiga, nordestina, que o jogo que as mulheres do Nordeste gostam de fazer quando conversam umas com as outras é comparar sofrimentos. Quanto maior o sofrimento, mais bonitas são a mulher e a sua vida. Conversar é a arte de produzir-se literariamente como mulher de sofrimentos. Acho que foi lá que a ópera foi inventada. A alma é uma literatura. É nisso que se baseia a psicanálise...) Voltando ao ônibus. Falavam de sofrimentos. Uma delas contava do marido hospitalizado, dos médicos, dos exames complicados, das injeções na veia - a enfermeira nunca acertava -, dos vômitos e das urinas. Era um relato comovente de dor. Até que o relato chegou ao fim, esperando, evidentemente, o aplauso, a admiração, uma palavra de acolhimento na alma da outra que, supostamente, ouvia. Mas o que a sofredora ouviu foi o seguinte: “Mas isso não é nada...“ A segunda iniciou, então, uma história de sofrimentos incomparavelmente mais terríveis e dignos de uma ópera que os sofrimentos da primeira.



Parafraseio o Alberto Caeiro: “Não é bastante ter ouvidos para se ouvir o que é dito. É preciso também que haja silêncio dentro da alma.“ Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor. No fundo somos todos iguais às duas mulheres do ônibus. Certo estava Lichtenberg - citado por Murilo Mendes: “Há quem não ouça até que lhe cortem as orelhas.“ Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...



Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos, estimulado pela revolução de 64. Pastor protestante (não “evangélico“), foi trabalhar num programa educacional da Igreja Presbiteriana USA, voltado para minorias. Contou-me de sua experiência com os índios. As reuniões são estranhas. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, como se estivessem orando. Não rezando. Reza é falatório para não ouvir. Orando. Abrindo vazios de silêncio. Expulsando todas as idéias estranhas. Também para se tocar piano é preciso não ter filosofia nenhuma). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito. Pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que julgava essenciais. Sendo dele, os pensamentos não são meus. São-me estranhos. Comida que é preciso digerir. Digerir leva tempo. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se falo logo a seguir são duas as possibilidades. Primeira: “Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava eu pensava nas coisas que eu iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado.“ Segunda: “Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.“ Em ambos os casos estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: “Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou." E assim vai a reunião.



Há grupos religiosos cuja liturgia consiste de silêncio. Faz alguns anos passei uma semana num mosteiro na Suíça, Grand Champs. Eu e algumas outras pessoas ali estávamos para, juntos, escrever um livro. Era uma antiga fazenda. Velhas construções, não me esqueço da água no chafariz onde as pombas vinham beber. Havia uma disciplina de silêncio, não total, mas de uma fala mínima. O que me deu enorme prazer às refeições. Não tinha a obrigação de manter uma conversa com meus vizinhos de mesa. Podia comer pensando na comida. Também para comer é preciso não ter filosofia. Não ter obrigação de falar é uma felicidade. Mas logo fui informado de que parte da disciplina do mosteiro era participar da liturgia três vezes por dia: às 7 da manhã, ao meio-dia e às 6 da tarde. Estremeci de medo. Mas obedeci. O lugar sagrado era um velho celeiro, todo de madeira, teto muito alto. Escuro. Haviam aberto buracos na madeira, ali colocando vidros de várias cores. Era uma atmosfera de luz mortiça, iluminado por algumas velas sobre o altar, uma mesa simples com um ícone oriental de Cristo. Uns poucos bancos arranjados em “U“ definiam um amplo espaço vazio, no centro, onde quem quisesse podia se assentar numa almofada, sobre um tapete. Cheguei alguns minutos antes da hora marcada. Era um grande silêncio. Muito frio, nuvens escuras cobriam o céu e corriam, levadas por um vento impetuoso que descia dos Alpes. A força do vento era tanta que o velho celeiro torcia e rangia, como se fosse um navio de madeira num mar agitado. O vento batia nas macieiras nuas do pomar e o barulho era como o de ondas que se quebram. Estranhei. Os suíços são sempre pontuais. A liturgia não começava. E ninguém tomava providências. Todos continuavam do mesmo jeito, sem nada fazer. Ninguém que se levantasse para dizer: “Meus irmãos, vamos cantar o hino...“ Cinco minutos, dez, quinze. Só depois de vinte minutos é que eu, estúpido, percebi que tudo já se iniciara vinte minutos antes. As pessoas estavam lá para se alimentar de silêncio. E eu comecei a me alimentar de silêncio também. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. E música, melodia que não havia e que quando ouvida nos faz chorar. A música acontece no silêncio. É preciso que todos os ruídos cessem. No silêncio, abrem-se as portas de um mundo encantado que mora em nós - como no poema de Mallarmé, A catedral submersa, que Debussy musicou. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Me veio agora a idéia de que, talvez, essa seja a essência da experiência religiosa - quando ficamos mudos, sem fala. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto... (O amor que acende a lua, pág. 65.)



Ufa!!!! isso vale por todos os cursos que já fizemos na vida.
 
Escutar é preciso, principalmente para nós, operadores do direito. Sabemos sim, é contraditório...Nós que passamos a vida fazendo curso de oratória! Mas no Direito de Família quem não ouve não compreende, e quem não compreende não chegará...

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Aprovada a PEC do Divórcio.

08/07/2010

Fonte: Ascom IBDFAM



A quarta-feira foi um desses dias para ficar na história. Na noite de ontem o Senado Federal aprovou, em caráter terminativo, a PEC do Divórcio.

Após quase três anos de tramitação no Congresso Nacional os senadores aprovaram, em segundo turno, com 49 votos favoráveis, três abstenções e quatro votos contrários a Proposta de Emenda Constitucional 28/2009. De autoria do IBDFAM e representada à Câmara dos Deputados pelo deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA), a emenda institui o divórcio direto, suprimindo o parágrafo sexto do artigo 226 da Constituição Federal. A partir de agora, para se divorciar não será necessário cumprir o requisito da prévia separação judicial por mais de um ano ou de comprovar a separação de fato por dois anos.

A nova lei, que será promulgada pelo Senado e pela Câmara dos Deputados, além de representar economia de tempo e dinheiro para aqueles que desejam se divorciar, vai diminuir os conflitos familiares e desafogar o judiciário, reduzindo a interferência do Estado na vida privada.

Confira no portal do IBDFAM.



Uma declaração de amor

Ontem, quando recebemos a notícia da Aprovação do Projeto de Lei nº. 020/2010, que trata sobre a alienação parental, ficamos muito felizes e quando nos chegou a matéria, onde constava os depoimentos do nosso amigo Augusto Caminha, diretor da Pais Por Justiça, movimento que também luta contra a alienação parental, ficamos emocionadas e certas que esta lei será uma ferramenta contra as injustiças que ocorrem nas familias.


"Augusto, pai de uma menina de 14 e de um menino de 10 anos, como muitos outros ativistas da causa, sofre as consequências da alienação em sua forma mais grave: a denúncia de abuso sexual, supostamente falsa, feita pela mãe. Nestes casos, como a legislação brasileira, para proteger a criança, imediatamente afasta o pai e instaura uma investigação. "Faz 3 anos e meio que não vejo meus filhos, por uma mera alegação. Sem prova, sem nada", declara.


"Eu não sei onde eles moram. Não sei onde eles estudam. Não sei se precisam de alguma coisa. Só sei que vão bem de saúde", conta ele, que põe em prática um complicado expediente para descobrir informações sobre o estado de saúde dos filhos: verificar onde eles se consultam, procurar o médico depois da data, se apresentar e explicar toda a situação para o doutor - tudo em troca de uma simples informação.


"Para eles, eu não existo", reconhece o pai, que aos 52 anos se descobriu "uma pessoa mais forte do que imaginava" com toda a situação. "São órfãos de um pai vivo", lamenta. Embora tenha fé em conseguir reatar o contato com os filhos judicialmente, Augusto reconhece que os laços afetivos podem ter sido modificados para sempre. "Talvez eu não consiga recuperá-los, mesmo se a Justiça devolvê-los para mim".(Fonte:Clarissa Passos, iG São Paulo 07/07/2010 19:48)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Só falta o Presidente sancionar:
Mais uma Vitória para Alienação Parental

Aprovação do Projeto de Lei que versa sobre a Alienação Parental

(Melissa Telles Barufi e Jamille V. Dala Nora)


Como advogadas familistas, tivemos a felicidade de assistir hoje (07/07/2010), a votação do projeto de lei nº. 020/2010, que trata sobre a Alienação Parental, que se encontrava na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.


Os senadores aprovaram o Projeto de Lei proveniente da Câmara, proposto pelo deputado Régis de Oliveira. Isso significa que quem difamar pai ou mãe sofrerá penalidade que variam de advertência até a perda da guarda da criança ou adolescente. Esta Lei veio para amparar o Direito que o filho possui em conviver com a família.


É comum encontrar pessoas que não conseguem lidar com o luto da separação, e passam a inserir os filhos em jogos de poder, transformando-os em alvo de chantagens (o filho se torna o verdadeiro cabo de guerra).Inúmeras são as vezes que percebemos que a raiva é tão grande que o alienador não considera o quanto esta prejudicando a criança ou o adolescente, quando insiste em “matar” o seu ente querido. O alienador chega ao ponto de realizar denúncias falsas de abuso sexual, na tentativa de sair “vitorioso”.


Com a Lei, o Poder Judiciário passará a prestar mais atenção nestas condutas, e não permitira que crianças e adolescentes sejam postas em conflito de lealdade; não permitirá que sejam utilizadas como ferramenta de ataque e troca. Assim a saúde mental dos filhos será preservada. Sabemos também que existe um longo caminho a ser percorrido, e que muitos esforços serão necessários para que a Lei da Alienação Parental seja efetivada para que diminua a sua tão comum e temida prática.


A vitória de hoje deve ser festejada. E aqueles que trabalharam pela vitória de hoje devem ser aplaudidos: Dr. Elizio Luiz Perez, Dra. Maria Berenice Dias, Dra. Sandra Baccara, Associação Gaúcha Criança Feliz, ONG Pais por Justiça, Câmaras dos Vereadores de Porto Alegre, e ainda um obrigada especial ao Deputado Régis e aos Senadores .


[1] Melissa Telles Barufi é advogada, inscrita na OAB/RS 68.643, Pós-Graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela FGV, atuante no Direito de família, especializando-se em Mediação de Conflitos Familiares. Sócia Fundadora do escritório de Advocacia Telles e Dala Nora advogados. Sócia Fundadora da Associação Gaúcha Criança Feliz. melissatb@terra.com.br - http://www.tellesdalanora.com.br/http://mediarfamilias.blogspot.com/


[2] Jamille Voltolini Dala Nora é advogada, inscrita na OAB/RS sob o nº. 73.827, Pós-Graduada pelo IDC, atuante no Direito Processual Civil. Sócia do Escritório Telles e Dala Nora advogados. Sócia Fundadora da Associação Gaúcha Criança Feliz.jdalanora@brturbo.com.br - http://www.tellesdalanora.com.br/