sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Barriga de aluguel


O renomado doutrinador jurídico, Rodrigo da Cunha Pereira, em belíssimo artigo, trata da questão do útero em substituição ou, da forma mais popular: Barriga de Aluguel.

Traz, no decorrer do texto, questões de ordem ética e moral, bem como levanta dúvidas de muitos temas que estão sendo deixados à margem do Direito.
Encontramos, assim, na Bioética algumas das soluções para tantas inquietudes. 
Não se trata de garantir soluções deterministas, mas apontar caminhos para, de uma forma interdisciplinar,  trazer perspectivas possíveis ao mundo fático que gira, até o momento, na periferia jurídica. 

Barriga de aluguel: o corpo como capital

Os avanços da ciência têm feito coisas de que até Deus duvidava. O método DNA desviou o eixo da investigação de paternidade, que era na verdade uma inquisição sobre a moral sexual da mãe, para uma questão científica. A biotecnologia abriu a possibilidade de inseminações artificiais homólogas e heterólogas. Todas essas tecnologias, associadas ao discurso psicanalítico, filosófico e jurídico, nos remetem hoje à compreensão de que filiação, paternidade e maternidade são funções exercidas. Em outras palavras, não interessa tanto quem gerou ou forneceu o material genético, prova isso o milenar instituto da adoção – pai ou mãe é quem cria. Daí a expressão criada pelo IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família e já absorvida pelo ordenamento jurídico brasileiro: parentalidade socioafetiva, que é também geradora de direitos e obrigações.     
Muitas questões decorrentes da fertilização in vitro ou Reprodução Assistida – RA, que é a tecnologia de implantação artificial de espermatozóides ou embriões humanos no aparelho reprodutor de mulheres receptoras continuam sem uma resposta objetiva. Por exemplo, o que fazer com os embriões excedentes? Pode-se descarta-los? Eles podem ser implantados mesmo depois da morte de seus doadores? Tais questões têm interferido negativamente no avanço do Direito e principalmente em pesquisas que poderiam melhorar a vida e a saúde de muitas pessoas.
Uma das situações sobre a qual paira muito preconceito e impede a evolução jurídica é a possibilidade de homens e mulheres tornarem-se pais por meio da gravidez por útero de substituição. Conhecida também como barriga de aluguel, o método consiste em uma mulher gerar em seu útero filho de outra ou para outra. No século XIX, a medicina já havia desvendado os mistérios da concepção e ultrapassou concepções morais e teorias místicas e míticas sobre infertilidade. Foi assim que surgiu a Resolução 1957/10 do Conselho Federal de Medicina estabelecendo regras para a gestação de substituição e doação temporária de útero. Mas foi acanhada e continua deixando milhares de mulheres sem a possibilidade de serem mães por esta via. É que só podem “ceder” o útero quem for parente até segundo grau. A questão sobre a qual se deve refletir é: por que não se pode remunerar uma mulher pelo “aluguel” de seu útero? Sabe-se que no Brasil acontece na clandestinidade o que já é lei em vários países, a exemplo dos Estados Unidos, Israel, Austrália, Bélgica, Dinamarca, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Israel, Índia, Rússia e Ucrânia. 
O corpo é um capital físico, simbólico e econômico. Os valores atribuídos a ele são ligados a questões morais, religiosas, filosóficas e econômicas. Se a gravidez ocorresse no corpo dos homens certamente o aluguel da barriga já seria um mercado regulamentado. Não seria a mesma lógica a que permite remunerar o empregado no fim do mês pela sua força de trabalho, despendida muitas vezes em condições insalubres ou perigosas, e considerado normal? O que se estaria comprando ou alugando não é o bebê, mas o espaço(útero) para que ele seja gerado. Portanto não há aí uma coisificação da criança ou objetificação do sujeito. E não se trata de compra e venda, como permitido antes nas sociedades escravocratas e endossado pela moral religiosa. Para se avançar é preciso deixar hipocrisias de lado e aprender com a História para não se repetir injustiças. É preciso distinguir o tormentoso e difícil caminho entre ética e moral.
A regulamentação de pagamento pelo “aluguel”, ou melhor, pela doação temporária de um útero não elimina o espírito altruísta exigido pelo CFM; evitaria extorsões, clandestinidade e até mesmo uma indústria de barriga de aluguel. Afinal, quem não tem útero capaz de gerar um filho não deveria ter a oportunidade de poder buscá-lo em outra mulher? Por que a mulher portadora, que passará por todos os riscos e dificuldades de uma gravidez, não pode receber por essa trabalheira toda? Hoje as religiões já reconhecem que os bebês nascidos de proveta têm alma tanto quanto os nascidos por inseminação artificial. Já foi um avanço. Quem sabe no futuro próximo, nesta mesma esteira da evolução do pensamento, alugar um útero para gerar o próprio filho, para aqueles que não querem adotar, passará da clandestinidade para uma realidade jurídica? Eis aí uma ética que se deve distinguir da moral estigmatizante e excludente de direitos.

Rodrigo da Cunha Pereira
Advogado em Belo Horizonte, presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, doutor (UFPR) e mestre (UFMG) em Direito Civil. Autor de vários livros sobre os temas: Direito de Família e Psicanálise aplicada ao Direito de Família.    


Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/858. Acesso em 26/10/2012

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A Valorização da Família


Na data de 16 de maio de 2012 restou sancionada a Lei 12.647 que instituí o Dia Nacional de Valorização da Família a ser comemorado, anualmente, no dia 21 de outubro, em todo o território nacional. 

Estamos chegando na data da primeira comemoração oficial do país. Como forma de exemplificarmos a amplitude da palavra "Família" colacionamos a notícia abaixo.

Esta, seguindo entendimento de muitos juristas, evidencia a dimensão que deve ser dada à parentalidade. Estar ao lado de seu filho é garantia suprema!


Criança tem direito de visitar pai em presídio

A visita de filho ao pai que cumpre pena em presídio é necessária para tutelar o direito fundamental ao contato familiar entre pai e filho. Com esse entendimento unânime, os magistrados da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça deram provimento a recurso para autorizar a visita do filho em datas, horários e condições a serem estabelecidos pela Vara de Execuções Penais.
Em primeira instância, a Juíza de Direito Vera Leticia de Vargas Stein, da Vara de Execuções Criminais da Comarca de NH, negou o pedido de autorização judicial de visita do garoto de 12 anos.
O apenado, autor da ação, interpôs recurso, argumentando não haver nenhuma norma legal que proíba a visitação de crianças ou adolescentes. Ainda, que a visita de pessoas a que está vinculado afetivamente o auxiliaria a se ressocializar e se inserir na vida social, tendo como base os princípios da dignidade humana e da humanização das penas, bem como amparado legal dos arts. 1° e 41, X, da Lei de Execução Penal.

(imagem meramente ilustrativa)
Para o relator, Desembargador Carlos Alberto Etcheverry, o caso traz evidente conflito de direitos fundamentais: Por um lado, o direito de convivência familiar (da criança), somado ao direito de apoio familiar como instrumento de ressocialização (do preso); por outro lado, temos a obrigação estatal de prevenir qualquer espécie de ameaça à integridade física ou psíquica do menor. Entretanto, analisou o magistrado, o que deve orientar a análise deste conflito é o princípio da proporcionalidade, através de seus subprincípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
Por fim, registro que talvez a melhor forma de proteger a criança seja autorizá-la a visitar seu pai; a decisão sobre a ida ou não a um local deplorável como o presídio vai depender do grau de interesse na visita, analisou. Por outro lado, a proteção ao menor também poderia ser alcançada com o investimento em locais menos insalubres, para o contato dos presos com menores e mesmo com outros familiares, de forma que a estes não fosse infligido o sofrimento de ver a forma indigna como o Estado trata as pessoas cuja liberdade é cerceada em favor da sociedade.
Também participaram do julgamento as Desembargadoras Naele Ochoa Piazzeta e Laura Louzada Jaccottet.
Agravo em Execução n° 70049404122
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, http://www.tjrs.jus.br/site/imprensa/noticias/?idNoticia=195156. Texto de Janine Souza, assessora-coordenadora de imprensa.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Decisão do Tribunal de Santa Catarina - adoção



Reformada sentença que julgou casal quarentão “velho demais” para adotar.


(10.10.12)
Um casal conseguiu no Tribunal de Justiça de Santa Catarina o direito de se cadastrar na fila de adoção após ter o pleito negado em comarca do Meio-Oeste, sob justificativa de que "tinha idade avançada" para adotar uma criança. O homem, de 48 anos, e a esposa, de 46, apelaram da decisão e foram bem-sucedidos na 5ª Câmara de Direito Civil do TJ.

O casal pretende adotar menina de até dois anos de idade, mas teve o pedido negado em primeiro grau.

O Ministério Público também foi contrário ao pleito, ao entender que o casal estaria "muito velho" para cuidar de uma criança. Mas os estudos sociais e psicológicos não manifestaram qualquer óbice à adoção.

A legislação sobre a matéria estipula que a diferença mínima de idade entre adotante e adotado seja de 16 anos, mas não determina diferença máxima. A lei também prevê que os adotantes tenham idade mínima de 18 anos.

Segundo os desembargadores da 5ª Câmara os pareceres sobre o casal foram favoráveis à sua habilitação, e revelaram que o ambiente familiar propiciado pelos requerentes é adequado ao desenvolvimento saudável de uma criança na idade pretendida.

“A faixa etária dos pretendentes à adoção não pode ser classificada como avançada, notadamente se considerado o aumento da expectativa de vida e a idade em que os casais, atualmente, decidem voluntariamente ter filhos, impulsionados pela busca da realização profissional e de estabilidade financeira”,
 afirmou  o desembargador Monteiro Rocha, relator da decisão.

A 5ª Câmara votou de forma unânime para modificar a sentença e deferir a inscrição dos requerentes no cadastro de adoção. A ação e o recurso tramitam em segredo de justiça.

Fonte: www.espacovital.com.br


Acredito que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina seguiu adequado entendimento. Hoje, a família tem seu substrato no afeto e as relações humanas são permeadas por laços de amor.

Hoje, pessoas com 48 e 46 anos, respectivamente, não são, e não devem ser, considerados "velhos". A expectativa de vida do brasileiro aumenta a cada ano, devido a melhora na qualidade de vida e avanços da medicina. Pelos dados oficiais, aponta-se que a expectativa de vida passou para 73,4 anos, havendo um crescimento de 25,4 anos nos últimos 10 anos.

Isto, sem falarmos nas reproduções assistidas e planejamento familiar. Com as mulheres, cada vez mais no mercado de trabalho e em busca do aperfeiçoamento profissional, está diminuindo o número de filhos (caiu de 6,3 para 1,9 por mulher) e retardando a idade de concepção. 

Nos dias atuais, falarmos em gravidez aos 40 anos trata-se de fato absolutamente normal. Por que não nos pareceria natural uma adoção aos 46?

Fonte: http://www.ibge.gov.br/home/


segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Células-Tronco, Bioética e Direito


Britânico e japonês ganham Nobel de Medicina por pesquisas com células-tronco

Cientistas foram premiados por estudos, com mais de 40 anos de diferença, que descobriram o potencial das células maduras de se transformar em células-tronco pluripotentes, que dão origem a todos os tecidos do corpo

células-tronco
Pesquisadores descobriram que, ao manipular o DNA no núcleo de células maduras, elas poderiam se tornar células-tronco pluripotentes. (Thinkstock)
Os cientistas John B. Gurdon, da Inglaterra, e Shinya Yamanaka, do Japão, foram agraciados nesta segunda-feira com o Prêmio Nobel de Medicina de 2012. Suas pesquisas foram responsáveis por descobrir, com 40 anos de diferença, que células maduras e especializadas poderiam ter seu estado revertido e se transformar em qualquer célula do corpo.
O britânico John B. Gordon descobriu há 50 anos que a especialização das células era reversível. Em sua pesquisa, ele substituiu o núcleo celular dentro do óvulo de um sapo pelo núcleo de uma célula intestinal madura. Como o óvulo se desenvolveu de modo normal, ele provou que o DNA da célula madura e diferenciada ainda continha as informações necessárias para desenvolver todas as células do corpo.
Em 2006, o japonês Shinya Yamanaka foi mais longe. Enquanto na pesquisa de Gordon era necessário introduzir o núcleo de outra célula, Yamanaka conseguiu fazer com que células maduras de ratos fossem reprogramadas para voltarem ao estágio de células-tronco. Ao introduzir apenas uma pequena quantidade de genes, ele conseguiu reprogramar as células especializadas, e acabou criando o que ficou conhecido como célula-tronco pluripotente induzida. Essas descobertas mudaram a visão dos cientistas sobre a especialização celular, e deram origem ao desenvolvimento de diversas novas terapias.

O que temos que refletir quanto a isto? Muito.

Discussões sobre embriões humanos e pesquisas com células-tronco estão na agenda do Direito e da Bioética a muitos anos. Diversos estudiosos, das mais distintas áreas do saber, se debruçam sobre todos os temas que estão envolvidos nestas temáticas. Assim, refletir quanto ao Estatuto do embrião, criopreservação de embriões em clínicas de reprodução assistida, técnicas de fertilização, diagnósticos pré-implantatório, etc, é estudar as novas demandas do Direito. 

Desta discussões, nascem tantas outras... Reflexos nas questões de direito de família e direito sucessório.

Assim, o direito como história, cultura e sociedade, deve estar atento as novas e atuais demandas que batem às portas em busca de soluções.

Estamos longe de ter um consenso, mas é necessário a reflexão e o conhecimento, na busca de alternativas que possibilitem um avanço. 

Fonte: Matéria da Revista Veja, também disponível através do link http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/britanico-e-japones-ganham-nobel-de-medicina-por-pesquisas-com-celulas-tronco, nos traz os nomes das personalidades premiadas com o Prêmio Nobel de Medicina 2012.



sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos



Em âmbito internacional, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos/ 1948, a comunidade internacional, por meio da ONU, vem firmando uma série de Convenções Internacionais nas quais são estabelecidos estatutos comuns de cooperação mútua e mecanismos de controle que garantam um elenco de direitos considerados básicos à vida digna, os chamados direitos humanos.

A Conferência Internacional da ONU sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo, em 1994, conferiu papel primordial à saúde e aos direitos sexuais e aos direitos reprodutivos, ultrapassando os objetivos puramente demográficos, focalizando-se no desenvolvimento do ser humano.

Na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, Pequim/1995, reafirma-se os acordos estabelecidos no Cairo e avança-se na definição dos direitos reprodutivos e dos direitos sexuais como direitos humanos. Os direitos sexuais definidos de maneira mais autônoma em relação aos direitos reprodutivos. 

Assume-se o compromisso de basear nos direitos sexuais e nos direitos reprodutivos todas as políticas e os programas nacionais dedicados à população e ao desenvolvimento, inclusive os programas de planejamento familiar. 

Em âmbito nacional a Constituição Federal prevê no art. 226, § 7º as diretrizes constitucionais do planejamento familiar. Entretanto, é a Lei 9263/96 – Lei do Planejamento Familiar, que regulamenta o art. 226, § 7º da CF. Esta legislação trabalha com as questões de planejamento familiar de forma global, garantindo integridade à saúde, com acesso igualitário de informações, atendimento, meios, métodos e técnicas disponíveis para concepção e contracepção.

No ano de 2005 o governo Federal, em atenção a estas determinações, editou a cartilha de orientação quanto a estes Direitos, buscando ampliar o conhecimento à população.


Um dos temas mais polêmicos quanto aos direitos reprodutivos refere-se às contracepções cirúrgicas. No Brasil, a esterilização voluntária, somente é permitida nas seguintes situações:
I - em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce; II - risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.

Na Argentina, restou aprovada a Lei 26.130/2006 que trata das disposições de Planejamento Familiar e intervenção de contracepção cirúrgica de forma gratuita no país. Nesta legislação não há qualquer exigência prévia para que a pessoa possa exercer este direito (idade mínima, prole, núpcias, consentimento do cônjuge, etc), mas tão somente a vontade livre e esclarecida expressa por pessoa capaz, em formulário de consentimento livre e esclarecido.

Temos muito ainda para discutir, garantir e efetivar quanto a Direitos Reprodutivos e Direitos Sexuais na sociedade brasileira.

Fonte: http://sistemas.aids.gov.br/feminizacao/index.php?q=system/files/cartilha2.pdf